Quando é bom ou ruim ficar para trás nos estudos

As turmas pelas quais a gente passa são únicas, assim como única é a turma do seu curso atual.

Ultimamente, venho refletindo sobre o fato das pessoas ficarem para trás em alguns momentos de suas vidas. Há situações variadas nessa área: as vezes, é necessário pisar no freio e ficar para trás para não "se estragar" lá na frente; às vezes uma pessoa é pressionada a ficar atrás dos outros por alguma força externa; às vezes alguma fatalidade motiva alguém a ficar para trás; às vezes, uma pessoa não se conforma em ficar para trás e chora por muito tempo; às vezes a pessoa até lamenta ter ficado para trás, já pressentindo um certo tipo de saudade que sentirá, mas ao final encara tudo numa boa e dá a volta por cima.

Sei que se ouvirmos outras pessoas, cada uma dirá o seu motivo de ter ficado para trás. Apesar de, na atualidade, as pessoas acharem que ficar para trás seja sinônimo de "ficar atrasado na vida", eu continuo achando que há males que vêm para o bem. Claro que isso dependerá das circunstâncias que levem a pessoa a agir nesse sentido.

Eu, por exemplo, me descobri que tenho a estranha mania de ficar para trás em turmas de graduação. A diferença básica é que tenho escolhido ficar para trás mais por opção profissional, do que por opção pessoal.

No final dos anos 90, ingressei no curso de Letras com uma turma maravilhosa, de grandes cabeças, uma delas, um colega - amigo meu do ensino médio, por quem até hoje conservo sentimentos de grande amizade - e sei que a recíproca é verdadeira. Mas ao final do primeiro semestre, minha vida deu uma reviravolta, acabei me casando, tive o primeiro filho, decidi abandonar o semestre, constituir família e viver exclusivamente para trabalhar. Conclusão desse episódio: fiquei para trás a primeira vez na graduação, deixando um pouco de lado a alegria e o companheirismo daquela turma de Letras.

Meses depois retomei o curso, concluído em meio a muito trabalho, pois tive que passar a licenciatura inteira (aliás até hoje é assim) trabalhando e estudando, estudando e trabalhando... Levava para empresa frequentemente apostilas e livros para estudar nas horas vagas, e em muitos momentos me sobrava até um bom tempo para rascunhar uma atividade que seria cobrada no dia seguinte. Eu me sentia o proletário que gostava de ler e de estudar. Até que em 2003 terminei o curso e peguei o diploma.

E para minha imensa alegria, dez anos depois aquela primeira turma de Letras realizou um encontro comemorativo da data. E adivinha de quem se lembraram de convidar para participar da festa? Eu. Claro que fui com muito prazer, rever parte daquelas pessoas tão agradáveis (nem todos puderam participar) e concluí que, passada a agonia dos anos, não foi tão duro assim ter ficado para trás e atrasado o curso. Os vínculos ficaram naquela turma, ainda que outras turmas tenham vindo e ainda que pequenas amizades com outros tenham se constituído depois.

Quase dez anos depois de licenciado em Letras, resolvi cursar outra graduação, agora em Enfermagem. E está acontecendo o mesmo fenômeno: ter que ficar para trás. Apesar da rotina de trabalho, cursei o primeiro e o segundo semestres com a turma original. A partir do terceiro semestre decidi por conta própria me atrasar nas matérias, para ter mais tempo para estudar. De lá para cá tem sido assim: venho cursando disciplinas em turmas diferentes e até mesmo se acostumando com uma nova turma, mas tendo que deixá-la meses depois, em grande parte por causa do trabalho e, em poucas vezes, por conta de reprovações, que também fazem parte do caminho de qualquer estudante.

Pode parecer um caso isolado e bobo, mas tudo isso tem, sim, a ver com os concursos. Nos estudos para concursos, o nível de proximidade que conseguimos com as pessoas é bem menor, por mais que os candidatos gostem de frequentar cursinhos. Isso, por um lado, deixa mais fácil a tarefa de uma pessoa ficar para trás, ser esquecida dos outros, passar meio que despercebida no meio da multidão. Os vínculos que unem as pessoas interessadas por concursos, mesmo numa sala de aula preparatória, parecem trafegar, de certa forma, por outro nível: o nível da concorrência velada, da polidez ao comentar qualquer coisa relacionada aos assuntos com o adversário, a ambição de se deter algum tipo de recurso ou barganha que o concorrente não tenha, enfim. Aparentemente, parece não sobrar espaço para amizades. Mas ainda bem que mesmo em lugares hostis a amizade ainda nasce. Ela é como aquela planta guerreira que insiste em nascer no meio do concreto armado no chão. 

Por outro lado, acaba-se também, algumas vezes, ficando para trás, em outros sentidos e o pior deles é este: quando você é reprovado e o seu colega que foi aprovado avança mais um degrau, conquistando o cargo que você ainda não conquistou, porque não chegou a sua vez na fila.

Entretanto, se me fosse perguntado quais foram os momentos de ficar para trás que mais marcaram a minha vida (as perdas das turmas na graduação ou as perdas nos concursos), eu não titubearia na resposta: foram as turmas das graduações. Os concursos acontecem de tempos em tempos, a gente pode levantar, sacudir a poeira, dar a volta por cima e tentar o mesmo cargo de novo e de novo.

Já as turmas pelas quais a gente passa são únicas, assim como única é a turma do seu curso atual. Nelas dividimos as preocupações, compartilhamos saberes pessoais e acadêmicos, sorrimos em momentos de descontração, choramos, consolamos ou somos consolados, ajudamos uns aos outros, lembramos de aniversários, etc.

A gente consegue superar tudo isso, com certeza, porque a vida prossegue e o tempo não para, mas guardamos uma memória muito boa dessas coisas. Nem que seja somente para podermos compartilhar uma vez ou outra na vida, ou até num simples reencontro coletivo.

Andel Soares - concurseiro e estudante

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