A "ideologia concurseira" do Brasil
Livro aponta que no Brasil vigora uma "ideologia concurseira", baseada na tautologia segundo a qual os certames recrutam os mais habilidosos, competentes e aptos a fazê-lo*.
No Brasil, o caminho para a república e para a democracia foi [um tanto o quanto] tortuoso. Fenômenos como o clientelismo e o patrimonialismo, consagrados em nossa historiografia por autores como Sérgio Buarque de Holanda (2005), Raymundo Faoro (1977) e Victor Nunes Leal (1976), tornam quase todas as análises científicas acerca da administração pública brasileira diretamente vinculadas a um diagnóstico de disfuncionalidade ou crise.
[Partindo desse pressuposto], [cremos que é] necessário investigar quais as particularidades dos [processos de seleção do Brasil], sem a necessidade de vinculá-las aos produtos de determinada tradição histórica. Assim, nos dias de hoje, a maior parte das normas existentes sobre certames versa, na verdade, acerca de temas abrangentes, como o amplo acesso aos cargos, por meio de certames, ou, ainda, as provisões gerais sobre a validade deles.
Vários dispositivos constitucionais são derivações específicas do art. 37, II, pois preveem a necessidade de certame para atuação na Magistratura, no Ministério Público, na Defensoria Pública da União, Advocacia Pública Federal, atividade notarial, além da docência.
Há, ainda, dispositivos que versam sobre a estabilidade dos servidores, consignando que ela depende da aprovação no estágio probatório e o ingresso na carreira por meio de certame.
A [Constituição Brasileira] não oferece muitos detalhes sobre uma política de seleção de pessoal à administração pública. Todavia, tal situação é bastante normal, já que o seu texto precisa ser abrangente o bastante para regular amplas áreas, e um grau majorado de detalhe não auxiliaria a efetivação da prática dos certames no âmbito da administração pública, em especial dos estados e dos municípios.
A questão central é que a legislação (...) também não é [produtiva quando se trata de] disposições referentes aos [concursos públicos]. Na prática, a normalização do tema adveio da regulamentação administrativa.
Contudo, uma ausência se faz notar: a falta de previsão acerca de critérios para a composição de bancas, bem como para a regulação da relação entre o Estado e a entidade organizadora do certame. Não há qualquer menção nas normas federais sobre o papel a ser desempenhado pelas entidades promotoras dos certames.
[Além do mais], não há dados suficientes para que nossa intuição acerca do caráter autorreferencial dos certames no Brasil possa ser assumida como um pressuposto de pesquisa. Ainda assim, parece-nos plausível partir da hipótese segundo a qual vigora no Brasil uma ideologia concurseira, baseada na tautologia segundo a qual os certames recrutam os mais habilidosos, competentes e aptos a fazê-los.
Aqui caberia uma breve explicação sobre a expressão "ideologia concurseira".
Uma recente pesquisa realizada com os alunos (não juízes, mas alunos que se preparam para concursos) da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro — EMERJ (Fontainha: 2011) identificou uma disputa semântica: qual o estatuto profissional deles, que há anos não fazem outra coisa senão se preparar full time para concursos públicos?
Todos se dizem “concursandos”, jovens juristas em busca do ingresso em uma carreira “dos sonhos” — não necessariamente a da magistratura — a fim de realizar sua “vocação”. Em oposição às boas práticas pré-profissionais, identificam os “concurseiros”: aqueles que só se interessam por decorar “a letra da lei”, ter por jurisprudência dominante a do tribunal que está recrutando, concordar com a corrente doutrinária a que pertencem os membros da banca e seguir a carreira cujo certame conseguir passar primeiro, como evidenciam alguns [pensadores].
Valemo-nos desse neologismo, bastante comum neste universo particular, para investigar a hipótese segundo a qual, no Brasil de hoje, a tônica fundamental das seleções de funcionários públicos é absolutamente autorreferenciada nas estratégias dos candidatos, no discurso de legitimação, na forma de organização e no projeto institucional, o que acarreta enorme prejuízo de recursos financeiros e humanos para a administração pública.
*Extraído do livro "Processos seletivos para a contratação de servidores públicos: Brasil, o país dos concursos?: relatório de pesquisa/Fernando de Castro Fontainha...[et al.]. – Rio de Janeiro: Direito Rio, 2014", páginas 13-15.As partes em colchetes e os grifos são nossos (alberto@concursosnobrasil.com.br)
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