Como tomar decisões em situações de incerteza

Assim como na história de Newton, não basta ser inteligente para passar num bom concurso público. É preciso ter disciplina emocional e fazer escolhas racionais.

Sir. Isaac Newton talvez tenha sido uma das mentes mais brilhantes que este mundo já viu (particularmente, como todo nerd, sou fã de carteirinha). Entre outros feitos, ele inventou o cálculo integral e diferencial, base matemática de toda nossa engenharia, bem como boa parte dos princípios da física moderna. Você não poderia chamar Newton de tolo, né? Pois é...

Em 1720, Newton possuía algumas ações da South Sea Company, a queridinha da bolsa à época. Tipo nossa Petrobrás de alguns anos atrás. Percebendo a euforia do mercado e o preço das ações subindo, Newton vendeu suas ações embolsando um lucro de 100%, perfazendo um total de 7.000 libras esterlinas. Só alegria.

Meses mais tarde, levado pelo mesmo entusiasmo sem controle, entrou mais uma vez de cabeça no mercado de ações, só que dessa vez perdeu 20.000 libras, equivalente a U$ 3.000.000,00 em moeda atual! Apesar de sua inteligência (levando em conta a definição comum de inteligência), Newton não teve o temperamento emocional adequado à empreitada. Ele não soube manter a cuca fresca e fazer as escolhas corretas, quando tinha que fazê-lo.

Assim como na história de Newton, não basta ser inteligente para passar num bom concurso público. É preciso ter disciplina emocional e fazer escolhas racionais.

Um truque para tomar decisões racionais

Blaise Pascal, matemático e teólogo francês, que viveu entre 1623 e 1662, criou uma experiência mental interessante: a ideia era convencer um agnóstico apostar na existência ou não de Deus. O objeto da aposta seria sua conduta moral nesta vida. O prêmio da aposta seria o destino da alma após a morte. Pascal escolheu a existência de Deus não por uma questão religiosa, mas por ser algo que não dava margem a uma decisão meio termo do entrevistado. Ou ele acreditaria, ou não. Oito ou oitenta.

Vejamos:

- se você acreditasse que Deus existe, você teria uma conduta moral adequada. Quando passasse desta para melhor, se Deus não existisse, você poderia se arrepender de não ter “aproveitado mais”. Você poderia ficar chateado por não ter se entregado a uma vida boêmia, por exemplo. De outro lado, você ganharia o orgulho por ter tido uma vida regrada. Ou seja, haveria perdas e recompensas.

- no entanto, se você não acreditasse na existência de Deus e levasse uma vida de luxúria, egoísta, e, de fato, Deus existisse, você estaria frito.

Nos termos do filósofo em investimentos Peter Bernstein, ao “tomarmos decisões em condições de incerteza, as consequências devem dominar as probabilidades. Nunca saberemos como será o futuro”.

Bonito, né? Vamos à prática "concursística"!

Imagine que você esteja estudando para o concurso da Receita Federal. Começou bem, feliz da vida. Material correto e técnica apurada. Pelo caminho, no seu segundo mês de estudo, abriu um edital bem interessante para o Tribunal de Contas de seu estado. Como você não leu este artigo, você foi seduzido pelo canto da sereia e decidiu estudar para o edital recém lançado. “Ora, são apenas mais seis matérias e eu tenho três meses para estudar”, você pensou, convencido que só de sua tática. Salário alto e a promessa de se livrar de todos os problemas em três meses são uma combinação poderosa demais para o cérebro. Se você não tiver a cabeça no lugar, vai sofrer uma overdose de ganância.

“Ahhh, mas eu conheço um carinha que passou em três meses”. Outro erro: transformar exceções em regras. O ser humano é assim mesmo, prefere muito mais uma história incrível que um esforço sincero.

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Aí você se matou de estudar, mas viu que não dava para aprender tudo o que pretendia no tempo que calculou. A conta não fechou. E você se frustrou.

Vamos traduzir matematicamente as consequências de sua ação impensada.

Suponhamos que o ser humano médio absorva o conhecimento num esforço de 10% ao mês. Imagine ainda o seguinte: como você, no segundo mês de estudo, tomou a decisão acima, perdeu o conhecimento que havia adquirido, alguns pontinhos na escala do conhecimento. Se colocarmos isso num gráfico, levando em conta um concorrente que não tomou a mesma atitude e continuou estudando no seu foco e ritmo, notaremos que você deverá estudar o dobro diário para conseguir pegar seu concorrente apenas dez meses depois!!!

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Claro, isso é uma simulação matemática. Ninguém fica no cheque especial do conhecimento. Não é a realidade. É só para provar pra você que decisões mal pensadas acarretam em perdas difíceis de serem recuperadas. Se você perdeu 50%, por exemplo, do conhecimento adquirido, você precisará de um ganho de 50% para recuperar a perda? Não! De 100%! Mais uma vez, é complicado recuperar o leite derramado.

Não estou estimulando a covardia, nobre guerreiro dos concursos! É preciso ter espírito empreendedor, obviamente. Mas é preciso também se proteger contra as perdas. Infelizmente, estou dizendo isso com base na minha experiência de testemunha da tristeza de alunos que não obedeceram ao Axioma Número 1 da velada "ciência de estudar para concurso público": tenha um foco. Pronto e acabou.

Às vezes, o melhor a se fazer em termos de planejamento de estudos é não fazer nada. Continuar estudando. Sei que adoramos aventuras e uma boa dose de excitação, mas concurso público é algo que se conquista com sagacidade, paciência. Não é um esporte para tolos e afobados. A história mostra que, se você deseja emoção, procure outro hobby, vai lhe trazer menos prejuízo.

À época dos acontecimentos, Newton comentou que “podia calcular os movimentos dos corpos celestes, mas não insanidade das pessoas”. De fato, até hoje ninguém conseguiu. Sugiro que não tente, porque você pode se estrepar. É mais evitar problemas que se livrar deles, afinal.

Abs!

Igor Oliveira é coordenador e coach do Ponto dos Concursos. Servidor Público Federal, ex-oficial fuzileiro naval e piloto de helicóptero da Marinha do Brasil.

A história e Newton e a pesquisa de Pascal, Igor leu no livro O Investidor Inteligente, de Benjamin Graham.

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