Leitura instrumental a favor da sua redação

A redação nos concursos veio para ficar. Então, o melhor a fazer é instrumentalizarmos cada vez mais os nossos hábitos de leitura e de escrita. Você não acha?

Conversando com gente que gosta de concursos como eu, notei que algumas opiniões são extremamente desfavoráveis à exigência de redação nas seleções. Já ouvi comentários que defendem a ideia de que redações passam por critérios de avaliação questionáveis, subjetivos, duvidosos, a depender dos propósitos "escusos" que estiverem por trás do avaliador. Outros dizem que é um critério muito cruel, pois penaliza aqueles que "fecharam" a prova objetiva ("gabaritaram") e se deram mal na parte textual. Professores experientes garantem que a exigência de redação é uma tendência nos concursos doravante, algo que já percebemos que tem se confirmado, basta lembrar dos certames recentes da Receita Federal, da Caixa, da Polícia Federal e de tantos outros, inclusive municipais.

Acho que redação é sempre bem vinda numa seleção. Acredito que, dependendo da dimensão do certame, ela é mesmo um critério capaz de diferenciar alguém de uma "multidão". Um dia, presenciei uma situação de recrutamento numa empresa pública, para uma função de nível médio, na qual o quesito "texto bem escrito" foi preponderante para escolher os candidatos, em detrimento de outros critérios, como a capacidade de resolver problemas matemáticos voltados para situações comerciais cotidianas.

Assim, a redação é tão bem vinda mesmo, principalmente depois de uma boa leitura, embora não tenha aqui interesse em especificar o que vem a ser de fato uma "boa leitura". No entanto, vou até mais longe: não digo nem que muitas vezes você precise mesmo fazer uma boa leitura de um texto, mas no mínimo, espera-se que faça uma leitura pelo menos mais "funcional" ou "instrumental", isto é, bem instrumentalizada.

Falando sobre leitura, é impressionante como ainda se percebe que muita gente, embora tenha acesso farto aos textos e às possibilidades de leitura, não aproveita o mínimo sequer dessa gama de informação para desenvolver o seu próprio texto. Isso é notado até mesmo numa simples rede de comentários da web, independente de qual tipo de texto que tenha sido escrito. Recentemente, passei por isso ao escrever sobre um concurso policial bastante disputado: boa parte dos comentários que recebi revelou claramente que o assunto é muito importante, mas muitos que visitaram a página não chegaram de fato a ler o texto. As perguntas e opiniões que muitos leitores postaram nos comentários por vezes indicavam claramente que eles sequer leram o texto. Ou seja, para evitar o esforço de ler o artigo, esses leitores acharam por bem fazer logo a pergunta ou emitir rapidamente a opinião, com base no título e no resumo do conteúdo. Se tivessem se debruçado sobre o texto até se envergonhariam do que haviam postado.

Por que será que acontece esse tipo de fenômeno?

Não sou teórico do assunto, mas acredito que não há uma resposta fechada, ou pelo menos, eu não me atreveria a dar. Contudo, acredito que, embora o tempo de leitura hoje esteja cada vez mais escasso (limitado, por exemplo, à assimilação de resumos), falta a muito concurseiro/vestibulando/estudante a perspicácia de ler os textos das provas da forma mais "instrumental" possível. Já que existe hoje uma tendência macabra para superficializarmos todas as nossas leituras, até pela alegada falta de tempo (não estou me excluindo do comentário, já que é um risco ao qual estou exposto rotineiramente!), é o mínimo que podemos esperar. Então, se estamos abandonando o tempo precioso de fruição dos textos, que pelo menos nos esforcemos mais por dominar o que ele traz de essencial.

Não é que esteja tentando inventar moda aqui e dizer que todo leitor em sua língua nativa tenha que sempre fazer uma leitura instrumental de um texto. Mas é que em muitas situações se percebe que o desenvolvimento de uma redação equivocada passa necessariamente pela má absorção das mensagens contidas nas propostas temáticas lançadas. Às vezes, me parece que nem o essencial é atingido pelos leitores. Em matéria de leitura textual, precisamos caminhar na contramão daquele lírico recorte de frase que diz ser "o essencial invisível aos olhos" (se não estou enganado, é atribuída ao Saint-Exupéry, do famoso "Princepizinho" ou "O Pequeno Príncipe").

Antes de avançar - e para situar o leitor - diria que leitura instrumental pode ser basicamente entendida como uma técnica de leitura de textos em língua estrangeira com o objetivo claro de compreender o que está escrito em sua máxima totalidade (independentemente de conseguirmos traduzir a mensagem para nosso idioma ou não), buscando captar as palavras-chave, intepretando as imagens agregadas, as frases de efeito e os outros recursos existentes. Pela definição, percebe-se que, mesmo para o idioma nosso de cada dia, muitas vezes esse tipo de leitura parece fazer falta, haja vista a constatação de que a internet está tornando mais fácil perguntar e copiar do que pesquisar (palavra entendida aqui como algo muito maior do que a consulta ao Google pura e simples, na tentativa de se achar algo diretamente).

Digo isto para afirmar que nós, os "leitores-web" (não estamos cada vez mais preferindo o monitor/tablet/celular aos livros?) deveríamos exercitar, sempre que necessário ou possível (e em geral, é!) uma espécie de "leitura instrumental" dos textos que encontramos em nosso próprio idioma. Não é raro blogueiros, jornalistas, editores e outros produtores de conteúdo para a web reclamarem que as pessoas passam pelo texto tão superficialmente que invariavelmente solicitam depois as informações que poderiam ter encontrado in loco, se lessem com um pouco mais de "método".

Se já sabemos que para tirar proveito de uma leitura, ao ponto de chegarmos a desenvolver uma redação melhorada, é preciso que captemos a mensagem veiculada, então por que não nos esforçamos mais para assimilar aquilo que o texto traz de essencial? Trata-se de uma certa habilidade que certamente não vai ser formada apenas já desenvovendo a nossa "leitura instrumental viciada", que se resume a ler os títulos e os textos-chamativos das notícias que encontra na rede social ou nas frentes de páginas dos sites de sua preferência.

Há outras saídas para atingir esse alvo (podem não ser as únicas ou as melhores, mas são alguma coisa a se pensar). Por exemplo, no caso dos textos para a web é até mais fácil, porque:

- No universo multimídia, você pode usar a ferramenta de localização do próprio navegador, apertando Ctrl+ F e digitando aqui de que precisa;

No universo do hipertexto, você pode enriquecer em tempo infinitamente curto a gama de conhecimentos que um texto trás, já que ele lhe remeterá para outro e mais outro;

- No universo multimídia, você pode exercitar sua boa redação geralmente na própria ferramenta, já que é extremamente bem vindo para a maioria dos portais que o leitor passe por eles e deixe ali o seu rastro, na forma de um comentário breve que seja.

No caso dos textos veiculados pelas provas em geral, também é possível dissertar algo mais interessante, quando:

- O leitor se despreende da ideia central, tomando a mesma como um ponto de partida e buscando trazer à tona saberes que já adquiriu na  sua experiência como leitor.

Claro que isso não é fácil. Vai exigir treino prévio, muitas leituras prévias, porque a colcha cultural de retalhos de todo ser humano é muito dinâmica e em muitos momentos você vai se deparar com situações em que resgatará o conheciment adquirido em uma leitura considerada "boba" (se é que elas existem).;

- O leitor tem consciência de que precisa melhorar e de que precisa de ajuda, enquanto escritor em potencial.

Nessa tarefa, é sempre bem vinda a ajuda dos outros, professores inclusive, já que estes têm um papel preponderante nisso. Sempre que tive uma redação corrigida com riscos esqueci da mesma rapidamente, mas aquelas provas que tive nas quais os professores comentaram alguma coisa, essas sim, se não guardo comigo, pelo menos me serviram de inspiração para escrever um pouco melhor.

- O leitor desperta para o fato de que redação é matéria prática - da mesma forma como a leitura o é - e que pode muito bem ser estimulada com antecipação.

Ou seja, se não desenvolve algum método particular frequente que o leve a agir diante de um papel em com caneta/lápis na mão ou diante de um monitor com um teclado entre vocês dois, então, vai ficar cada vez mais difícil a sua tarefa obrigatória de desenvolver aquele tema proposto no dia D e na hora H.

alberto@concursosnobrasil.com.br

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